segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ela nunca se achou parecida com a Ofélia


As palavras não saem, mas ela continua tentando expressar não se sabe o que. Olha ao redor, observa cada pedacinho do ambiente que lhe cerca. Fixa a atenção naquele retrato da parede e reconhece o próprio olhar. Lembra-se do que disse o artista no momento em que os delineavam: “olhos de folhas rasgadas, cheios de brilho e que escondem sentimentos infindáveis”.  As lágrimas vêm, e a inspiração que ela tanto procura está diluída, evaporou-se e, agora, não passa de uma nuvem turva diante de sua cabeça pesada e confusa.

O tempo vai passando. Ela já levantou e sentou inúmeras vezes. Já desistiu de tentar decifrar o que nem imagina que possa ser. É tudo muito vago mesmo. Agora está traçando algumas linhas, mas estas não expressam sua angustia. Ela nem sabe se angustia é a definição mais acertada, mas como está buscando desesperadamente uma resposta, aceita-a, mesmo que levianamente. Ela sabe que angústia não é a palavra. Pela primeira vez, reconhece que não sabe o que sente. Nunca soube. Passou a vida envolta por ilusões românticas e hoje não sabe o que fazer sem elas.

Olha novamente para aquele retrato. Ele é tão ameaçador. Parece que tudo sabe sobre ela, que tem todas as respostas e, somente pelo prazer de deixá-la aflita, de espezinhar-lhe a alma, não revela a verdade, apenas sorri. Aquele sorriso ali, imortalizado, não condiz mais com quem está diante de si mesma tentando encontrar um caminho para seguir. Trata-se de uma figuração mal engendrada do que se acreditou ser um dia.


Ela desiste do retrato. Ele está sorrindo e ela não aceita aquele sorriso. Ele é uma afronta. Sente-se sem brilho, sem vigor. Volta-se para a escrita, isso é o que importa no momento. Ela precisa expressar. Não sabe o que, para quem e nem qual o propósito, mas está movida por uma sensação de confinamento, de desordem, de embaraço e isso lhe provoca uma necessidade grande de expurgo.

Tudo o que sua consciência lhe permite conhecer é que ela se lançou de peito sobre uma cerca de arame farpado e hoje sangra por isso. Acreditava, ela, que o sacrifício da dor valeria pela beleza do amor, mas cada farpa daquele arame furou uma veia do seu corpo, que hoje agoniza com uma hemorragia incontida. Está entregue à solidão e ao seu próprio sangue. Os olhos sangram, as mãos sangram, o sangue do remorso desce-lhe pelas pernas e pelos seios que nunca puderam amamentar e que, até hoje, só serviram para o deleite de muitos e para a cobiça de outros tantos. Isso é tudo o que ela suporta saber nesse momento. Agora, as palavras serão rio, e seguirão seu curso.