quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Bilhete



"Eu não me lembro quando foi a última vez que vi aquela escultura. Esqueci-me também de quantas vezes eu li o livro. Talvez eu consiga, apenas, parafrasear algumas partes da cabeça. Quantas vezes você já disse não para mim? Tento puxar pela memória, mas não me lembro agora. Mas lembro-me de cada curva de seu corpo delicado. Bendita seja você".


De Camilo a Dora.


domingo, 26 de agosto de 2012

Ele, o mar e as flores



Lá estava ele: sentado, observando o ir e vir das ondas ressaqueadas daquele mar de inverno. Elas tinham uma força brutal, diferente do que sentia aquele jovem de olhar triste e solitário. As lágrimas estavam represadas, mas imploravam para que ele permitisse que elas lavassem seus olhos melancólicos.

Ficou ali por horas, sentado diante daquela infinitude. Sentia-se acolhido pela imensidão, sentia a presença divina naquele pedaço de mundo captado pelo seu olhar. Todas as coisas estavam ali, diante dele. Pôde sentir o amor de Deus e refugiou-se nele. Essa entrega lhe fez pensar nos amores, nas três mulheres que fizeram seu coração reconhecer a singeleza e a beleza que se encontram nas coisas que a razão não pode alcançar. Elas eram, para ele, como flores.


A primeira era Lótus. Ela poderia ser como qualquer outra, não fosse a beleza sublime que a tornava sagrada. Ela tinha graciosidade, ela era perfeita, ela era a sua genitora. Ele era a continuidade dela, que, agora, vivia nas suas mais doces lembranças e, por isso, era eterna.


A segunda era Hibisco. Tem cheiro de infância e entrou em sua vida como um presente da fase de maior encantamento e descobertas da vida. Dividiu com ele o esplendor da convivência e dos ensinamentos de Lótus e, juntos, viveram as maiores experiências da vida, tornando-a eterna também.


A terceira era ela, Girassol. Com ela era diferente, pois surgiu de repente, trazendo consigo muito calor e intensidade. O amor passou a ter outros significados e os seus olhos ganharam um brilho diferente. Ela poderia ser eterna.


Ele deixou que essas lembranças liberassem as lágrimas, antes contidas. Sentiu o fogo tomar conta do seu corpo, evidenciando a importância de cada uma daquelas mulheres no homem que ele havia se transformado. Ele pensou na vida. Ele pensou na morte. Ele pensou na efemeridade da existência.


Refletiu sobre o tempo, sobre o perdão. Sobre a capacidade de esquecer o passado e se libertar. Pensou no tesouro, na riqueza, na realeza que se apresenta ao final de cada situação de sofrimento. Naquele momento, ele prestou mais atenção no amor e deixou que esse amor decidisse os rumos de sua vida. Naquele momento, tudo se reiniciou, tudo se renovou. E ele saiu, em busca de sementes para, novamente, plantar Girassóis. Toda a sua alma ficou repleta de luz. 

sábado, 11 de agosto de 2012

Um pequeno trecho daquela história


Já estava, há horas, envolvido em pensamentos que o faziam um mero refém dos próprios sentimentos e não via mais sentido em estar ali, inerte e aprisionado. Num súbito arroubo de paixão, levantou-se, desceu as escadas, atravessou a cidade e foi ao encontro dela. Bateu à porta. Eram batidas descompassadas, ora eufóricas, ora lentas. Ela, sonolenta, não compreendeu se aquele barulho era real ou se estava sonhando. Ele insistiu nas batidas, até que ela se deu conta do que estava acontecendo. Seu coração acelerou, faltou-lhe ar e as mãos tremiam. Levantou-se, abriu a porta e lá estava, diante dela, o céu. A imensidão daquele olhar transportou-a para a parte mais elevada do universo, onde todas as coisas eram possíveis e toda a doçura estava concentrada. Ela podia sentir, nos lábios, o gosto adocicado que lhe fez menina durante muito tempo.
Olharam-se. Olharam-se bastante. As mãos, apressadas, conseguiram se encontrar. Elas se tocavam, se apertavam e se entrelaçavam, enquanto todas as outras partes daqueles corpos permaneciam em silêncio. E, assim, ficaram por muito tempo, enquanto os corações se encorajavam a se deixarem ouvir. 

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ela nunca se achou parecida com a Ofélia


As palavras não saem, mas ela continua tentando expressar não se sabe o que. Olha ao redor, observa cada pedacinho do ambiente que lhe cerca. Fixa a atenção naquele retrato da parede e reconhece o próprio olhar. Lembra-se do que disse o artista no momento em que os delineavam: “olhos de folhas rasgadas, cheios de brilho e que escondem sentimentos infindáveis”.  As lágrimas vêm, e a inspiração que ela tanto procura está diluída, evaporou-se e, agora, não passa de uma nuvem turva diante de sua cabeça pesada e confusa.

O tempo vai passando. Ela já levantou e sentou inúmeras vezes. Já desistiu de tentar decifrar o que nem imagina que possa ser. É tudo muito vago mesmo. Agora está traçando algumas linhas, mas estas não expressam sua angustia. Ela nem sabe se angustia é a definição mais acertada, mas como está buscando desesperadamente uma resposta, aceita-a, mesmo que levianamente. Ela sabe que angústia não é a palavra. Pela primeira vez, reconhece que não sabe o que sente. Nunca soube. Passou a vida envolta por ilusões românticas e hoje não sabe o que fazer sem elas.

Olha novamente para aquele retrato. Ele é tão ameaçador. Parece que tudo sabe sobre ela, que tem todas as respostas e, somente pelo prazer de deixá-la aflita, de espezinhar-lhe a alma, não revela a verdade, apenas sorri. Aquele sorriso ali, imortalizado, não condiz mais com quem está diante de si mesma tentando encontrar um caminho para seguir. Trata-se de uma figuração mal engendrada do que se acreditou ser um dia.


Ela desiste do retrato. Ele está sorrindo e ela não aceita aquele sorriso. Ele é uma afronta. Sente-se sem brilho, sem vigor. Volta-se para a escrita, isso é o que importa no momento. Ela precisa expressar. Não sabe o que, para quem e nem qual o propósito, mas está movida por uma sensação de confinamento, de desordem, de embaraço e isso lhe provoca uma necessidade grande de expurgo.

Tudo o que sua consciência lhe permite conhecer é que ela se lançou de peito sobre uma cerca de arame farpado e hoje sangra por isso. Acreditava, ela, que o sacrifício da dor valeria pela beleza do amor, mas cada farpa daquele arame furou uma veia do seu corpo, que hoje agoniza com uma hemorragia incontida. Está entregue à solidão e ao seu próprio sangue. Os olhos sangram, as mãos sangram, o sangue do remorso desce-lhe pelas pernas e pelos seios que nunca puderam amamentar e que, até hoje, só serviram para o deleite de muitos e para a cobiça de outros tantos. Isso é tudo o que ela suporta saber nesse momento. Agora, as palavras serão rio, e seguirão seu curso. 

terça-feira, 10 de abril de 2012

Quem sou eu?

Sou  desejos vulcânicos e ardentes. 
Sou a busca da erupção. 
Sou exaltação nas veias, na derme, na epiderme. 
Sou filha do vento. 
Sou um redemoinho intenso e avassalador.

O que vi da vida

Roubei o título do quadro do Fantástico pra falar o quanto a vida é engraçada. As pessoas são expostas. As que mais querem se esconder, mais estão ali despidas a olho nu. Isso é muito interessante. Não sei porque, mas à minha volta está repleta de pessoas assim, as pessoas que tentam disfarçar quem são, o que fazem, etc., as pessoas que se dizem misteriosas. E acho que eu sou descobridora de mistérios, porque reconheço-os facilmente.

Tenho um “mérito muito defeituoso” que é o de observar as pessoas. Eu aprendo a viver olhando como as pessoas fazem. Sou expectadora mesmo, estou sempre ali observando as entrelinhas, os implícitos, os subtendidos, como se eu penetrasse na parte mais primitiva e inacessível das pessoas. Às vezes, me acho meio mostruosa por isso. Mas é um joguinho viciante e muito excitante.

Eu preferia não ver, não saber, mas quando percebo, já estou no meio do jogo. Também, as pessoas não me ajudam, insistem em quebrar, milimetricamente, o cotidiano achando que estão agindo normalmente. Não adianta, não estão. É nessa hora meu cérebro faz ligações numa velocidade assustadora e tudo salta aos meus olhos. O mais legal é quando, “inocentemente” pergunto alguma coisa, as respostas são sempre muito boas. Sinto vontade de dizer: “eu sei o que você fez no verão passado”. Mas não digo nada, apenas consinto com a cabeça e sigo nos meus pensamentos. O tempo passa e o quadro se revela por si só (aí eu começo a achar que sou vidente rs). Mas isso me incomoda. Não gosto de saber das coisas ocultas. Sinto-me muito mal de ver as pessoas mentindo pra mim quando sei da verdade, isso é muito angustiante.

Eu não sei que medo é esse que as pessoas tem. Existem mil argumentos que elas podem dar para “justificar” sua maneira de ser, mas nenhum me convence. Nós, seres humanos, nos diferenciamos dos animais não por sermos “racionais”, isso pra mim é balela. Somos diferentes deles porque somos vaidosos.  Isso sim.

Enquanto os animais desconhecem a moralidade e estão sempre pra jogo quando seus instintos falam alto, a gente esconde o que pode, de alguma forma, manchar a nossa imagem perante quem quer que seja. Não significa que o que uma pessoa esconde seja algo errado, ruim, deplorável, ou coisa parecida, mas significa que ali tem um “Calcanhar de Aquiles”, tem uma insegurança por detrás daquilo. A gente gosta de se mostrar, a gente gosta de se exibir. Somos orgulhosos.

Eu, ao contrário, tenho mania de contar para as pessoas o pior de mim. É incrível. E é assim que me livro dos pesos de ser quem eu sou, tocar nos assuntos que me incomodam me faz expulsá-los de mim. O que estou fazendo aqui, por exemplo, é expondo uma fraqueza minha. Não cabe a mim ser conhecedora dos mistérios que envolvem os seres humanos, mas vivo sendo provocada exatamente nesse ponto. 

Não tenho fascínio pelos mistérios, na verdade, tenho. Melhor, sou viciada neles. Contraditoriamente, acho que também sou viciada na verdade. Não nas verdades superficiais, essas costumam ser enfadonhas. Falo da verdade íntrínseca de cada um. Sou viciada em saber quem são as pessoas. E esses vícios me consomem como qualquer outra droga me consumiria. Nenhum vício é benéfico. E eu não sou Deus.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Rito hedônico

Estou indo ao seu encontro, nobre cavalheiro que insiste em visitar-me todas as noites.  Vou chegando delicadamente ao nosso mundo secreto e invisível. Pretendo falar-lhe. Agora sou conhecedora dos mistérios que envolvem esta tua presença constante. Enquanto todos os outros, tolos que são, estão inertes, entregues ao repouso dos corpos, você vem e reaviva minha existência, num lugar onde o teu corpo dá continuidade ao meu e nossas almas dançam numa simbiose magistral.
Hoje compreendo a magia do encontro dos nossos olhos. Os teus, sagrados, encantam os meus. Neste estado de graça, meu ventre fértil e abundante começa a gerar Lírios e Amores-perfeitos, enquanto tu, mensageiro dos deuses, observas com orgulho o cumprimento da tua missão.
Talvez ainda não saiba, mas ajardinar-me foi apenas um dos teus feitos. Vou te mostrar minhas asas, que também já começam a brotar. Ainda sinto um pouco de desconforto, mas ele é ínfimo diante da alegria radiante de poder voar. Trouxestes os ventos para mim, meu nobre cavalheiro. Tu, e somente tu, conseguiu adentrar meu âmago e conhecer os segredos que se escondem por detrás destas íris negras e reluzentes.
Agora preciso me calar, estou muito próxima de ti. Vou aquietar-me para que as profundezas acelerem meus passos e diminuam a distância até você, que me faz renascer a cada por do sol. Aguarda-me, que estou chegando.
De Ostera a Morfeu

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Exatamente como deveria ser.

Suas peles se tocaram despretensiosamente, mas o suficiente para sentirem seus órgãos latejarem de desejo. Ao constatarem que seria inútil dissimular o que sentiram, olharam-se e se entregaram a um beijo caloroso e despudorado. As mãos dele começaram tocando os carnudos lábios dela, depois, desceu bem devagar pelo pescoço e, finalmente, apalpou-lhe os seios firmes e arredondados. Não suficiente, abocanhou-os com toda a voracidade que o seu apetite exigia, aproximando mais ainda seus corpos quentes e insaciáveis. Ela gemia e, como uma felina no cio, cravou-lhe unhas e dentes. Eles, agora, eram um só. Estavam entrelaçados, misturados, homogêneos. Esfregavam-se, tocavam-se, queriam-se.

Ele foi descendo rapidamente, ansioso, e começou a sugar a seiva daquela mulher. Deliciava-se como se estivesse experimentando o líquido que os deuses tinham preparado especialmente para aquela ocasião, enquanto ela remexia os quadris e emitia sons delicados e sutis. Seus corpos tremiam. Eles eram línguas, salivas, suor, mãos, pele, apertos e arrepios.

Agora era a vez dela desbravar aquele corpo expressivo, forte, robusto. Apertou-lhe com força, provocando-o a sentir o quanto ela estava insana e faminta. Começou a tocá-lo levemente, por entre as coxas, com as pontas das unhas. Foi subindo, massageando-o, até que deparou-se com aquilo que denunciava toda a ânsia daquele homem em possuí-la. Acariciou, sentiu a textura e a temperatura, o que lhe deixou ainda mais umedecida. Mas ainda não era hora, seguiu em frente e continuou passeando e descobrindo infinitas possibilidades de toques, em todos os lugares e de diversas formas.

Todos os sentidos estavam aguçados.  Eles se ouviam, se sentiam, se degustavam, se olhavam, se cheiravam. Ela começou a passar a ponta dos seios sobre a pele dele, deixando-o  louco o suficiente para virar o jogo. Tomou-a pelos braço e penetrou-lhe com muita força. Era isso que ela queria, desde o início. Aquele homem grande e poderoso apossando-se dela. Ela gritava, gemia, uivava. Ele continuava e era consumido por uma excitação cada vez mais intensa. Encorajaram-se a confessar seus desejos mais íntimos, mais pecaminosos. Desfrutaram um do outro, sem a menor hesitação. Eles ardiam. Eram imorais. Eram fogo. Eram erupção.

Explodiram num êxtase profundo. Seus corações palpitaram de prazer. Estavam ofegantes, suados. Olharam-se, sorriram um para o outro. Despediram-se e voltaram às suas vidas, exatamente como deveria ser.