domingo, 26 de agosto de 2012

Ele, o mar e as flores



Lá estava ele: sentado, observando o ir e vir das ondas ressaqueadas daquele mar de inverno. Elas tinham uma força brutal, diferente do que sentia aquele jovem de olhar triste e solitário. As lágrimas estavam represadas, mas imploravam para que ele permitisse que elas lavassem seus olhos melancólicos.

Ficou ali por horas, sentado diante daquela infinitude. Sentia-se acolhido pela imensidão, sentia a presença divina naquele pedaço de mundo captado pelo seu olhar. Todas as coisas estavam ali, diante dele. Pôde sentir o amor de Deus e refugiou-se nele. Essa entrega lhe fez pensar nos amores, nas três mulheres que fizeram seu coração reconhecer a singeleza e a beleza que se encontram nas coisas que a razão não pode alcançar. Elas eram, para ele, como flores.


A primeira era Lótus. Ela poderia ser como qualquer outra, não fosse a beleza sublime que a tornava sagrada. Ela tinha graciosidade, ela era perfeita, ela era a sua genitora. Ele era a continuidade dela, que, agora, vivia nas suas mais doces lembranças e, por isso, era eterna.


A segunda era Hibisco. Tem cheiro de infância e entrou em sua vida como um presente da fase de maior encantamento e descobertas da vida. Dividiu com ele o esplendor da convivência e dos ensinamentos de Lótus e, juntos, viveram as maiores experiências da vida, tornando-a eterna também.


A terceira era ela, Girassol. Com ela era diferente, pois surgiu de repente, trazendo consigo muito calor e intensidade. O amor passou a ter outros significados e os seus olhos ganharam um brilho diferente. Ela poderia ser eterna.


Ele deixou que essas lembranças liberassem as lágrimas, antes contidas. Sentiu o fogo tomar conta do seu corpo, evidenciando a importância de cada uma daquelas mulheres no homem que ele havia se transformado. Ele pensou na vida. Ele pensou na morte. Ele pensou na efemeridade da existência.


Refletiu sobre o tempo, sobre o perdão. Sobre a capacidade de esquecer o passado e se libertar. Pensou no tesouro, na riqueza, na realeza que se apresenta ao final de cada situação de sofrimento. Naquele momento, ele prestou mais atenção no amor e deixou que esse amor decidisse os rumos de sua vida. Naquele momento, tudo se reiniciou, tudo se renovou. E ele saiu, em busca de sementes para, novamente, plantar Girassóis. Toda a sua alma ficou repleta de luz. 

sábado, 11 de agosto de 2012

Um pequeno trecho daquela história


Já estava, há horas, envolvido em pensamentos que o faziam um mero refém dos próprios sentimentos e não via mais sentido em estar ali, inerte e aprisionado. Num súbito arroubo de paixão, levantou-se, desceu as escadas, atravessou a cidade e foi ao encontro dela. Bateu à porta. Eram batidas descompassadas, ora eufóricas, ora lentas. Ela, sonolenta, não compreendeu se aquele barulho era real ou se estava sonhando. Ele insistiu nas batidas, até que ela se deu conta do que estava acontecendo. Seu coração acelerou, faltou-lhe ar e as mãos tremiam. Levantou-se, abriu a porta e lá estava, diante dela, o céu. A imensidão daquele olhar transportou-a para a parte mais elevada do universo, onde todas as coisas eram possíveis e toda a doçura estava concentrada. Ela podia sentir, nos lábios, o gosto adocicado que lhe fez menina durante muito tempo.
Olharam-se. Olharam-se bastante. As mãos, apressadas, conseguiram se encontrar. Elas se tocavam, se apertavam e se entrelaçavam, enquanto todas as outras partes daqueles corpos permaneciam em silêncio. E, assim, ficaram por muito tempo, enquanto os corações se encorajavam a se deixarem ouvir.