segunda-feira, 13 de junho de 2011

O segredo d'Ella

Depois de se humilhar fortemente e ser rejeitada pelo amado, Ella chegou em casa aos prantos. Ela já tinha se entorpecido o suficiente para não saber discernir entre o certo e o errado e todo um desejo inexplicável e pecaminoso tomou conta do seu corpo ao avistar o sobrinho, um adolescente de 14 anos (sim, a mesma idade com a qual Ella conheceu o coito). Não fosse o transtorno mental desse sobrinho, esse ato teria sido menos nefasto.
Ella tomou o sobrinho para o amor. O jovem não compreendia o que significava aquelas mãos que antes o acariciavam maternalmente, tocando-o de forma diferente, como ele nunca pudera imaginar antes. Aquilo lhe apavorou, mas o prazer sentido ao possuir aquele corpo, mesmo que involuntária e instintivamente, não lhe permitia abster-se daquele ato primitivo, indiscreto e antes ignorado pela sua mente cândida e inofensiva.
Quando Ella caiu em si, já não era mais tempo para voltar atrás. Estava feito. Agora restava-lhe arrastar a culpa por ter transgredido preceitos religiosos que lhe foram ensinados durante toda uma vida. Mas o pecado lhe trouxe um sabor não tão amargo, o prazer notado atentamente no corpo trêmulo daquele rapazote trazia-lhe calafrios imensuráveis. Aquilo era muito prazeroso e ela queria mais, mais e sempre mais. Ela sentia-se segura como nunca,  pois ele estaria sempre ali, nunca a rejeitaria (sua incapacidade mental não permitia isso) . Assim, durante cinco anos, essa foi a rotina d’Ella.

Ella

Ella ama alguém, que ama outro alguém, que também ama esse alguém amado por Ella. Se sentindo rejeitada pelo seu alguém, Ella traçou um plano infalível: ela seria de todos (e de ninguém). Assim ela leva a vida: seduzindo, atacando, querendo, conquistando. Ella tem caprichos, Ella tem libido, Ella leva à loucura, Ella é pura gostosura.
Ella é controversa, Ella dissimula, Ella tem candura... e um belo par de peitos.
Ella é guerreira, Ella tem sua beleza. Ella é um mistério, Ella é um caso sério.
Sua história tem encanto e é por isso, que eu a conto. Quem conhece essa pessoa e as poesias que ela entoa, sabe a complexidade que se esconde por detrás da mulher-loba-leoa.


Ella é uma “personagem” criada como parte do processo avaliativo do curso de teatro. Tudo começou assim: fomos orientados a observar uma pessoa qualquer da rua, uma pessoa que tivesse certa teatralidade no jeito de ser, de falar, de andar, etc. Após essa observação nós deveríamos nos transformar nessa pessoa (e foi aí que as coisas começaram a ficar difíceis). 
Não se trata de imitar, não se trata de criar um tipo, trata-se de compreender toda a complexidade dessa pessoa e traduzi-la em gestos, comportamento e vivências. Daí começou um trabalho árduo, gostoso e muito interessante de construção dessa personagem (construção corporal, comportamental/psicológica e social).
Tudo estava lindo. Peguei como inspiração uma pessoa que considero muito engraçada. Ela é feia (no sentido superficial e estético da coisa) e sempre olha para os homens daquele jeito bem fatal, querendo seduzi-los a todo custo. Sem contar que ela, literalmente, ataca os homens ao seu redor (isso eu só descobri depois). Com ela é assim: caiu na rede, é peixe.
Quando comecei a criar a complexidade para essa pessoa (e diferenciá-la das demais mulheres ousadas que existem por aí), eu entrei num mundo fascinante, estava sempre me perguntando os “porquês” dela e acabei descobrindo uma mulher solitária, psicótica e mal amada. Mas não é pouco “solitária, psicótica e mal amada”, é muito “solitária, psicótica e mal amada”. Ela moldou sua personalidade tendo como parâmetros sempre a beleza e o horrendo e, assim, consegue ser doce e encantadora ao mesmo tempo em que é capaz de apavorar qualquer cristão através de suas atitudes. Eu gostei muito de “criar” essa pessoa. Não que eu tenha criado “a esfera do dragão”, sei que não foi nada de mais, mas foi gostoso.
O próximo passo é levar essa personagem para a rua, sem que as pessoas da rua saibam que se trata de uma personagem. Agora é que vem o maior problema: é muito difícil e desafiador ter que fazer isso. Eu não sou sensual, eu não sou sedutora, eu não sou ousada e eu não paquero ninguém (tá, percebo que sou uma pessoa sem graça). Vocês podem se perguntar: mas não é esse o papel do ator? Um ator não tem que se transformar em tantas outras pessoas quanto forem necessárias?
Eu respondo que sim (meu caro leitor hahahaha) mas quando se observa do ponto de vista do expectador, as coisas se tornam mais sofríveis. Quando essa personagem está num palco, o público reconhece que aquilo não é real, então, tudo fica mais fácil. Mas, quando você deve criar uma situação cotidiana e verossímil onde o seu público também contracena contigo (sem saber de nada), o trabalho, antes tranqüilo, passa a se transformar numa coisa angustiante.
Já falei demais. Eu só queria falar um pouco “d’Ella” e quase escrevi um livro sobre a minha insegurança de atriz iniciante. Mas é assim mesmo. Não é nada fácil e, a cada dia, isso se torna mais perceptível (e sofrível) pra mim.

PS: Esta atividade faz parte da unidade em que estamos estudando o Realismo e as técnicas teatrais criadas por Stanislaviski.