domingo, 7 de julho de 2013

Para adoçar

Essa belezura eu ganhei de presente de aniversário. Quem me deu foi minha amiga, Fernanda. Ela é assim mesmo, tem os olhos mais belos do mundo. E me faz chorar, gritar, soluçar, perder o juízo e sair desnorteada de casa. Sempre faz isso. Nesse dia, esqueci a chave por dentro e não tive como entrar em casa mais tarde. É bom ser amada, principalmente se for por ela. É bom amá-la. É bom tomar sorvete de mangaba. Vivemos no mundo dos felizes.



O que brota com a flor
Nasceu e é menina.
Caminha apressada.
Tropeça no vento.
Derruba, corta, rasga.
Se rasga. E sorri.
Tem medo de fantasma, tem medo de bicho, tem medo do escuro (do mundo e de gente).
Mas sorri.
Come cores, cheira doces e beija-flor, essa flor 
Bola de cristal na noite.
Mãe que ainda dorme em berço.
Música que embala sonho.
Fruta no pé.
Aganjú domado em água doce.
Grito, soluço e sorriso. 
Indeciso.
Desejo infinito de estar com ela.

Sem título

Lá não é preto, mas é escuro. É apertado. Nada se move. Só se ouve o próprio som dos soluços.  O medo domina e a vida não serve. Amanhã se foi desde ontem. Os lábios se tremem e as mãos se apertam. Os bichos voltam e os fantasmas aparecem. O espaço é menor. A beleza não se vê. O vento não sopra. Os olhos se apertam, os dentes se truncam. Os gritos não saem. A mais fina das dores alfineta. O amor não vem. O amor se foi. 

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A moça dos olhos melados


Ela começou a se apaixonar muito cedo. Aos sete anos fez a primeira cartinha ao seu primeiro amor platônico. Essa carta nunca chegou às mãos dele, era simplesmente mais um dos recursos que ela usava para ficar fantasiando histórias improváveis. Cuidava dela com muito esmero. Lia e relia, perfumava, fazia marcas de batom, escondia. Ele era um coleguinha da escola que ela só atrevia a se corresponder por cartas clandestinas que ele sequer saberia da existência um dia. Ela nunca falou com ele e nunca permitiu que seus olhos se cruzassem. De lá pra cá, foram muitos os amores e muitas as fantasias. Se apaixonou por um professor de geografia porque ele vivia sorrindo, foi com ele que descobriu a singeleza de um belo sorriso masculino. Teve também outro colega da escola que fazia desenhos lindos. Aqueles desenhos faziam dele, aos seus olhos, o menino mais inteligente e sensível de todos. Ah, se apaixonou também pelo irmão da sua melhor amiga, pelo menino de olhos azuis que comprava pão na mesma padaria que ela, pelo filho da diretora da escola e por tantos outros que nunca lhe deram bola. Hoje, mulher feita, mantém-se apaixonada e, mais do que isso, é alguém que se entregou de corpo e alma às fantasias do amor. Sim, fantasias, pois amor, na infância, sempre foi o seu salvador. Salvava-lhe das dores e dos medos de uma maneira muito simples: na hora de dormir, pra não pensar nos fantasmas que lhe amedrontavam no apagar das luzes, ela pensava nos amores. Se entregava às fantasias e se imaginava sempre num lugar muito lindo, acompanhada de um belo garoto que lhe fazia juras de amor, lhe acariciava o rosto e lhe beijava apaixonadamente. Era o seu exercício de fuga predileto e funcionava muito bem. Ela continua a mesma. O amor afugenta-lhe da vida insossa, racional e medíocre. As chagas do tempo não afetaram seu coração e, talvez, por isso, ele não saiba ainda como se comportar. Ama como quando tinha doze anos. Para ela, o amor é cheio de garantias. Sabe aquelas histórias de que “o amor verdadeiro dura para sempre”; “quando se está amando, nada na vida pode dar errado”; “a pessoa escolhida pelo coração é aquela que poderemos contar pra sempre”? Pois é, ela acredita nisso tudo. Ela não sabe amar de outra forma, ainda não aprendeu. Acredita que já encontrou sua alma gêmea e que seguirão de mãos dadas rumo ao infinito. Ela é dessas moças que acha que, sem amor, nada somos. Ela é dessas que se completam no amor e para o amor. Ela é a moça do amor sublime, fiel e inocente. Ela suspira pelos arquétipos shakespearianos, Romeu e Julieta. Sim, ela acredita que o amor enobrece quando chega e que destroça a alma quando se vai, corroendo o coração e, com ele, todo o sentido da existência. Ela não toma jeito mesmo, continua escrevendo cartas de amor. Esta é mais uma. 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Bilhete



"Eu não me lembro quando foi a última vez que vi aquela escultura. Esqueci-me também de quantas vezes eu li o livro. Talvez eu consiga, apenas, parafrasear algumas partes da cabeça. Quantas vezes você já disse não para mim? Tento puxar pela memória, mas não me lembro agora. Mas lembro-me de cada curva de seu corpo delicado. Bendita seja você".


De Camilo a Dora.


domingo, 26 de agosto de 2012

Ele, o mar e as flores



Lá estava ele: sentado, observando o ir e vir das ondas ressaqueadas daquele mar de inverno. Elas tinham uma força brutal, diferente do que sentia aquele jovem de olhar triste e solitário. As lágrimas estavam represadas, mas imploravam para que ele permitisse que elas lavassem seus olhos melancólicos.

Ficou ali por horas, sentado diante daquela infinitude. Sentia-se acolhido pela imensidão, sentia a presença divina naquele pedaço de mundo captado pelo seu olhar. Todas as coisas estavam ali, diante dele. Pôde sentir o amor de Deus e refugiou-se nele. Essa entrega lhe fez pensar nos amores, nas três mulheres que fizeram seu coração reconhecer a singeleza e a beleza que se encontram nas coisas que a razão não pode alcançar. Elas eram, para ele, como flores.


A primeira era Lótus. Ela poderia ser como qualquer outra, não fosse a beleza sublime que a tornava sagrada. Ela tinha graciosidade, ela era perfeita, ela era a sua genitora. Ele era a continuidade dela, que, agora, vivia nas suas mais doces lembranças e, por isso, era eterna.


A segunda era Hibisco. Tem cheiro de infância e entrou em sua vida como um presente da fase de maior encantamento e descobertas da vida. Dividiu com ele o esplendor da convivência e dos ensinamentos de Lótus e, juntos, viveram as maiores experiências da vida, tornando-a eterna também.


A terceira era ela, Girassol. Com ela era diferente, pois surgiu de repente, trazendo consigo muito calor e intensidade. O amor passou a ter outros significados e os seus olhos ganharam um brilho diferente. Ela poderia ser eterna.


Ele deixou que essas lembranças liberassem as lágrimas, antes contidas. Sentiu o fogo tomar conta do seu corpo, evidenciando a importância de cada uma daquelas mulheres no homem que ele havia se transformado. Ele pensou na vida. Ele pensou na morte. Ele pensou na efemeridade da existência.


Refletiu sobre o tempo, sobre o perdão. Sobre a capacidade de esquecer o passado e se libertar. Pensou no tesouro, na riqueza, na realeza que se apresenta ao final de cada situação de sofrimento. Naquele momento, ele prestou mais atenção no amor e deixou que esse amor decidisse os rumos de sua vida. Naquele momento, tudo se reiniciou, tudo se renovou. E ele saiu, em busca de sementes para, novamente, plantar Girassóis. Toda a sua alma ficou repleta de luz. 

sábado, 11 de agosto de 2012

Um pequeno trecho daquela história


Já estava, há horas, envolvido em pensamentos que o faziam um mero refém dos próprios sentimentos e não via mais sentido em estar ali, inerte e aprisionado. Num súbito arroubo de paixão, levantou-se, desceu as escadas, atravessou a cidade e foi ao encontro dela. Bateu à porta. Eram batidas descompassadas, ora eufóricas, ora lentas. Ela, sonolenta, não compreendeu se aquele barulho era real ou se estava sonhando. Ele insistiu nas batidas, até que ela se deu conta do que estava acontecendo. Seu coração acelerou, faltou-lhe ar e as mãos tremiam. Levantou-se, abriu a porta e lá estava, diante dela, o céu. A imensidão daquele olhar transportou-a para a parte mais elevada do universo, onde todas as coisas eram possíveis e toda a doçura estava concentrada. Ela podia sentir, nos lábios, o gosto adocicado que lhe fez menina durante muito tempo.
Olharam-se. Olharam-se bastante. As mãos, apressadas, conseguiram se encontrar. Elas se tocavam, se apertavam e se entrelaçavam, enquanto todas as outras partes daqueles corpos permaneciam em silêncio. E, assim, ficaram por muito tempo, enquanto os corações se encorajavam a se deixarem ouvir. 

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Ela nunca se achou parecida com a Ofélia


As palavras não saem, mas ela continua tentando expressar não se sabe o que. Olha ao redor, observa cada pedacinho do ambiente que lhe cerca. Fixa a atenção naquele retrato da parede e reconhece o próprio olhar. Lembra-se do que disse o artista no momento em que os delineavam: “olhos de folhas rasgadas, cheios de brilho e que escondem sentimentos infindáveis”.  As lágrimas vêm, e a inspiração que ela tanto procura está diluída, evaporou-se e, agora, não passa de uma nuvem turva diante de sua cabeça pesada e confusa.

O tempo vai passando. Ela já levantou e sentou inúmeras vezes. Já desistiu de tentar decifrar o que nem imagina que possa ser. É tudo muito vago mesmo. Agora está traçando algumas linhas, mas estas não expressam sua angustia. Ela nem sabe se angustia é a definição mais acertada, mas como está buscando desesperadamente uma resposta, aceita-a, mesmo que levianamente. Ela sabe que angústia não é a palavra. Pela primeira vez, reconhece que não sabe o que sente. Nunca soube. Passou a vida envolta por ilusões românticas e hoje não sabe o que fazer sem elas.

Olha novamente para aquele retrato. Ele é tão ameaçador. Parece que tudo sabe sobre ela, que tem todas as respostas e, somente pelo prazer de deixá-la aflita, de espezinhar-lhe a alma, não revela a verdade, apenas sorri. Aquele sorriso ali, imortalizado, não condiz mais com quem está diante de si mesma tentando encontrar um caminho para seguir. Trata-se de uma figuração mal engendrada do que se acreditou ser um dia.


Ela desiste do retrato. Ele está sorrindo e ela não aceita aquele sorriso. Ele é uma afronta. Sente-se sem brilho, sem vigor. Volta-se para a escrita, isso é o que importa no momento. Ela precisa expressar. Não sabe o que, para quem e nem qual o propósito, mas está movida por uma sensação de confinamento, de desordem, de embaraço e isso lhe provoca uma necessidade grande de expurgo.

Tudo o que sua consciência lhe permite conhecer é que ela se lançou de peito sobre uma cerca de arame farpado e hoje sangra por isso. Acreditava, ela, que o sacrifício da dor valeria pela beleza do amor, mas cada farpa daquele arame furou uma veia do seu corpo, que hoje agoniza com uma hemorragia incontida. Está entregue à solidão e ao seu próprio sangue. Os olhos sangram, as mãos sangram, o sangue do remorso desce-lhe pelas pernas e pelos seios que nunca puderam amamentar e que, até hoje, só serviram para o deleite de muitos e para a cobiça de outros tantos. Isso é tudo o que ela suporta saber nesse momento. Agora, as palavras serão rio, e seguirão seu curso.